EU... ABELHINHA...

A abelhinha vai voando e dando as suas ferroadelas...

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

DELICIEM-SE COM A PROSA


Diz a lenda que Bocage, ao chegar a casa um certo dia, ouviu um barulho estranho vindo do seu quintal.

Chegando lá, deparou com um ladrão tentando levar seus patos de criação.

Aproximou-se vagarosamente do indivíduo e, surpreendendo-o ao tentar pular o muro com os seus amados patos, disse-lhe:

- Oh, bucéfalo anácrono! Não te interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo acto vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa.

Se fazes isso por necessidade, transijo... mas se é para zombares da minha elevada prosopopeia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com a minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à quinquagésima potência que o vulgo denomina nada.

E o ladrão, confuso, diz: - "Doutor, afinal eu levo ou deixo os patos?"

sábado, 11 de outubro de 2008


Não posso adiar o amor para outro século

não posso ainda que o grito sufoque na garganta

ainda que o ódio estale e crepite e arda

sob as montanhas cinzentas e montanhas cinzentas


Não posso adiar este braço

que é uma arma de dois gumes amor e ódio

Não posso adiar ainda que a noite pese séculos

sobre as costas e a aurora indecisa demore

não posso adiar para outro século

a minha vida nem o meu amor

nem o meu grito de libertação


Não posso adiar o coração.


(António Ramos Rosa)

Lenda de Dona Branca ou da Tomada de Silves aos Mouros


Reinava em Silves o inteligente e corajoso rei mouro Ben-Afan que numa noite de tempestade, no intervalo das suas lutas contra os cristãos, teve um sonho extraordinário. Um sonho que começou por ser um pesadelo, com tempestades e vampiros, mas que se tornou numa visão de anjos, música e perfumes e terminou pelo rosto de uma mulher, divinamente bela, com uma cruz ao peito. No dia seguinte, Ben-Afan procurou a fada Alina, sua conselheira, que lhe revelou que tinha sido ela própria a enviar-lhe o sonho e que a sua vida iria mudar. Deu-lhe então dois ramos, um de flor de murta e outro de louro, significando respectivamente o amor e a glória. Consoante os ramos murchassem ou florissem assim o rei deveria seguir as respectivas indicações. Enviou-o ao Mosteiro de Lorvão e disse-lhe que lá o esperava aquela que o amor tinha escolhido para sua companheira: Branca, princesa de Portugal. Para entrar no mosteiro, Ben-Afan disfarçou-se de eremita e o primeiro olhar que trocou com a princesa uniu-os para sempre. O rei mouro voltou ao seu castelo e preparou os seus guerreiros para o rapto da princesa. Branca de Portugal e Ben-Afan viveram a sua paixão sem limites, esquecidos do mundo e do tempo. O ramo de murta mantinha-se viçoso, até que um dia D. Afonso III, pai de Branca, cercou a cidade de Silves e Ben-Afan morreu com glória na batalha que se seguiu. Nas suas mãos foram encontrados um ramo de murta murcho e um ramo de louro viçoso.